domingo, 7 de fevereiro de 2010

Xeque mate

Esperava pela resposta como quem espera o resultado de uma biópsia: sabendo que na melhor das hipóteses, teria dos males o menor. Sabia que estava tudo perdido, mas se conformara com a situação, e apenas aguardava pelo veredito.
Ela estava em pé a sua frente, a mesa da lanchonete os separava. Com as mãos espalmadas sobre a mesa, projetava seu corpo magro e pequeno sobre ele. A mesa parecia um tabuleiro, ela, o jogador que inconformado, contempla sua eminente derrota. Incrível como ela parecia grande, perigosa. Seus olhos estavas rachados, vermelhos, chispando raiva. Contrariando sua postura ofensiva, sua voz era calma, baixa, quase suspirada:
- Então é isso?
- É, mais ou menos. Outros detalhes prefiro omitir.
- Sei.
- Sei que está nervosa, eu entendo. Sua raiva é racional.
Na verdade não entendia coisa nenhuma. Nunca fora traído. Raiva racional? Isso existe? Por dentro se divertia com sua tentativa patética em tentar parecer interessado na dor dela. Deixara de se interessar por qualquer coisa sobre ela há tempos. Como se divertia, continuou seu teatro sem cerimônias:
- Aconteceu, entende? Você sabe, paixão é uma coisa que vem e nos pega de surpresa.
- Que clichê, meu Deus! Pare de tentar se explicar! Isso é tão patético!
Fez cara de bolo de farinha: sem gosto, sem expressão. Só queria acabr logo aquela conversa para poder encontrar com a "outra" que então seria a "oficial".
- Só espero que possamos superar esta situação, e assim que você me perdoar, sermos amigos. Afinal de contas, temos uma história....
- História? Que história? Você levou em conta isso? Amigos? Ah, sinceramente!
- Bem, eu pego as minhas coisas esta tarde. Deixo as chaves do apartamento no seu trabalho, com a recepcionista. As contas deste mês e do próximo eu ajudo você a pagar.
- Não quero nada de você. Pegue suas coisas e suma da minha vida...
Levantou-se. Até que não foi tão difícil. Na verdade foi bem fácil. Quando se virou para sair da lanchonete, escutou um murmuro, que de tão baixo era óbvio que saiu dos lábios dela para ser ouvido:
- Pelo menos agora não preciso me sentir culpada mais...
- Como?
- Nada.
A fisionomia dela mudara totalmente. Seu corpo ereto havia se recomposto, pequeno e harmonioso. Seus olhos, brancos novamente, ostentavam as duas esmeraldas com orgulho. Seus lábios úmidos esboçavam um sorriso... de contetamento? Um sorriso? Como assim?
- Culpada pelo o quê? Do que você está falando?
- Nada. Outros detalhes, como você mesmo disse, prefiro omitir.
Levantou, jogou a bolsa sobre o ombro. Passou por ele, ele com cara de bolo de farinha, desta vez de verdade: atônito, sem graça, perdido. O que ela queria dizer com tudo aquilo? Será que ela...?
- Nem precisa devolver a chave. Vou trocar a fechadura por via das dúvidas. Não se esqueça dos seus filmes e livros. Não quero que você tenha nenhum pretexto para me procurar mais.
- Espera aí! Culpada de quê? Do que você estava falando??
Ela continua, graciosa, pequena. Seu vestido leve, aquele que eles compraram juntos no verão passado, balança e acompanha sua cintura. As pernas grossas, amparadas pela sandália plataforma, caminham decididas. Paralisado, percebe que ela continua linda... e que é ela quem dominou o jogo.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Teclado na goela

10 minutos para escrever algo que insiste em tentar sair... uma ânsia, mas o vômito não vem.
Tentei enfiar o dedo na goela, mas não saiu uma palavra sequer. Olhando fixamente para o monitor, deixando meus dedos correrem sem rumo pelo teclado, o que pode sair?

Sol no asfalto, avenida longa
calor das 12
um dia a gente se tromba
cheiro de mato cortado
urubu no teto de zinco
galinha de galho
cachorro morcego
Pó preto na mão
Luz verde na cara
Saudade não pára
Equilibrando sobre o fio da navalha