quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

post de natal "cruel world vol. I"

A ceia está posta, mesa enfeitada, bonita. Ceia quente, ao contrário da família fria. O fim de ano força essas aproximações. Força promessas. Força esperanças. O natal é bom para se bater fotos bonitas. Para renovar o guarda roupa. Para sentir aquele abraço quente que não se sentiu o ano todo.
No natal, o menino Deus nasceu.
Do outro lado da cidade a ceia é mais simples. Talvez haja mais amor, talvez não. Talvez haja mais esperança, pois é a única coisa que não se paga no natal. Isso sempre se tem aos borbotões. No natal, quase sempre, o menino Deus nasce.
Automático. É assim que o natal fica. Dá-se isso, recebe-se aquilo. Comemos a cesta de natal que a empresa deu. Estouramos o frisante agora, ou guardamos para o ano novo? Abraços. Felicidades. Esperança.
A manjedoura fica em um beco frio e úmido. O menino Deus chora. Os animais do presépio são ratos, cachorros vadios, gatos imundos. Os três reis magos, não são reis, não são magos. São magros: magros de vício, magros de fome. Trazem de presente o olhar triste de quem sabe o que é sofrer. O medo de um futuro pior. A promessa de uma infância sofrida.
No natal, de vez em quando, nasce outro menino.
Em algum lugar, uma criança se deita com a cabeça pesada, com olhos quentes, com a meia vazia, sem presentes. Ela se deita e faz um pedido singelo, mas sincero "papai do céu, só me acorde quando dezembro acabar...".
Não digo que odeio o natal. Eu até gosto. Gosto de ter esperanças, de fazer planos, de sonhar. Mas fico triste em saber que nem todo mundo pode fazer isso.
Mas rezo e torço, para que tenham esperanças, sempre. Mesmo aqueles que não podem se dar ao luxo de ter qualquer coisa.
By the way, Feliz natal...

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

E é só

Sempre gostei da metáfora "o céu chora" para falar sobre a chuva. Mas eu pensei em outra ontem, enquanto voltava para a casa depois do trabalho. A chuva era fina, uma cortina branca, e no céu de Marília, um céu bonito devo confessar, já se via o arco-íris. Pensei em algo do tipo "o céu saliva" de vontade, ele nos deseja.
Uma vontade de devorar, engolir todos nós. Quase me convenceu.
Ouvindo empty walls agora de noite, já penso diferente. O céu não saliva de vontade, ele cospe sobre nós, ele vomita: vociferando as frustrações das nossas lembranças, urra em trovões, se debate de ódio em relâmpagos que rasgam o céu e tocam o chão. Ele despreza, não deseja.
Eu tento ver além dessas paredes vazias. Mas me parece que, como em rejection role, estamos aqui só matando tempo, olhando essas paredes pálidas, vis, derramando areia na ampulheta até o fim.
Nada com nada. Só chuva lavando e espalhando saliva, lágrimas e indiferença.
Nada com nada. Só vontade de ficar sentado, esperando o tempo passar.
Nada com nada. Só falta de inspiração para coisas legais.
Nada com nada. Só isso.
E é só.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Depois, depois, depois

Olhava para o teto. A luz de 60 watts nunca iluminou tanto: amarela, ardia e incomodava os olhos vermelhos, inchados, cansados. Pareciam que tinham areia, areia molhada.
Colocou a mão direita sobre a testa. A esquerda suportava a cabeça, dava uma sensação falsa de conforto: ela estava dormente, o pescoço também já doía. A situação toda era um engôdo.
Fechou os olhos. O ponto amarelo ainda estava lá: insistente, insolente, impertinente, e outros "in" que também já foram usados para descrevê-lo.
Cansado, cansado. Desanimado, desanimado.
Pensou em rasbicar algo. Pegou uma folha. Desenhou traços rápidos com o lápis 6B, sabia que o traços sairiam borrados, toscos, grosseiros, não queria nada além daquilo. Percebeu que o desenho era dele, era sobre ele. Escreveu palavras desconexas, coisas que até faziam sentido para ele, não fariam para mais ninguém. "Rápido como, atroz como... uma flecha".
O velho não voltaria hoje, não voltaria nunca mais.
Só em sonhos, mudo, com olhos cansados. Só em sonhos, na chuva, triste. Só em sonhos, sem ouvir nenhuma palavra, além do clichê: "eu sinto muito".
Dobrou o papel, colocou na carteira. Pensou em voz alta: "depois a gente conversa sobre isso". Depois, depois. Sempre depois. Talvez o depois não chegue, talvez nunca chegue.
Colocou a carteira sobre a escrivaninha, apagou a luz, se deitou. A luz ainda estava lá, mesmo de olhos fechados. Sempre está lá, mesmo não estando.
"Depois, depois, depois".

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Não entendi esse texto parte I

Ela pediu a conta.
O garçom trouxe.
Ele pagou.
Ela se levantou.
O garçom agradeceu.
Ele correu para alcançá-la.
Ela parou do lado do carro, acendeu um cigarro.
Ele entrou no carro enfurecido.
Ela tragou pacientemente.
Ele esperou.
Ela então entrou.
Ele dirigiu. Não falou, não olhou, não sorriu.
Ela olhou. Para a rua, para os carros, para frente.
Ele parou o carro. No nada, do nada. Apertou as mãos contra o volante.
Ela olhou. Não falou, apenas olhou ele: de cara feia, pensativo. Achou bonito.
Ele virou para ela. Olhou em seus olhos.
Olhos vermelhos de raiva.
Olhos negros de lápis.
Ela sorriu de canto. Sorriso cínico. Ou safado?
Ele fez cara ainda mais feia. Puxou a cabeça dela, os fios de cabelo passaram pelos seus dedos, se enrolaram. Beijou a boca fechada dela. Ou mordeu?
Ela retribuiu o carinho, acariciou suas costas. Ou arranhou?
E se odiaram, como nunca haviam se odiado antes. Ou...?

sábado, 28 de novembro de 2009

Resta um

"Mas é de cara assim que elas gostam mesmo. Cara que pisa, que sacaneia."
Porra, como eu usei essa resposta pronta. Principalmente quando eu via alguma menina muito bonita se fodendo na mão de algum panaca. Ou senão, quando eu via esse mesmo panaca sacaneando a namorada super pop, super bonita, namorada esta que nunca daria moral para um nerd underground, inseguro e com caráter demasiado rígido para uma vida saudável em sociedade.
Essa resposta é só o recurso do ressentido, uma forma de justificar sua dor solitária diante de um mundo que lhe prova à todo momento que "bonzinho só se fode".
Em uma ocasião, em um bar, enquanto conversava com uma recém conhecida, muito bonita por sinal, e que se lamuriava por relacionamentos mal sucedidos, um amigo comum nosso disse algo assim:
"Sabe, funciona da seguinte forma: mulheres bonitas como você insistem em tentar ficar juntas de idiotas. Vocês choram, se fodem, se acabam, mas invariavelmente voltam para eles. Daí, quando eles se cansam, quando eles não quiserem mais vocês, seja porque vocês não têm aquela beleza que já tiveram, ou seja porque já tem uma "fama" questionável, eles largam vocês. Deixam de canto. E o que sobra para vocês? Se arranjar com alguém que sempre quis vocês, mas vocês achavam que era resto. E agora que vocês são resto, vocês querem eles."
Eu ri muito na hora. Estava com algumas cervejas na cabeça então não parei para pensar em tudo o que isso queria dizer exatamente. Ah, esse meu amigo, que é muito gente boa por sinal, ficou com a menina bonita nessa noite.
Tá, tá e o que raios eu quero dizer com isso tudo?
Por mais cruel que pareça, há um pouco de verdade no que meu amigo disse. E por mais que não queiramos acreditar, é assim que funciona. Só valorizamos quando perdemos, só entedemos o prazer de um sorriso sincero quando já choramos toda a carga de lágrimas que tínhamos. Só aprendemos a olhar para dentro de nós mesmos, dos outros, quando as pancadas da vida nos deixam sem armadura, nus. Só aprendemos que a beleza não é só a casca, é o conjunto que o tempo não vai levar, que o espelho nunca vai mostrar, é o que você, e só você vê, quando está com aquela pessoa. Só aprendemos isso depois de ver tantas coisas belas exalarem maldade e indiferença.
E isso não é ruim. Porque só valorizamos o doce depois de ter provado do amargo...
E no fim... sempre resta um... e ele não está procurando por alguém? Será eu, ou você?

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

E tenho dito.

Eu sempre quis saber. Saber como é ter o poder de escolher ao invés de ser escolhido. Sentir o prazer de dizer "não", a potência de ser um deus sobre alguém. Isso deve ser legal.
O papo da grama entra aqui também. A porra do jardim dos outros sempre tá mais batuta que o seu. E olha que você até se esforça para manter o seu legal, mas por que raios a grama fica tão sem vida? Por que essas merdas de falha no gramado?
Enfim, por aí vai. Sei que todo mundo tem problemas. Com certeza bem maiores do que os meus.
Mas quer saber? Assim como para todo mundo, para mim tanto faz os seus problemas. Por que no fim, são SEUS problemas, não meus. E os meus problemas são só meus.
Por que é assim que tem de ser.
E fecha a porra da porta quando sair.

domingo, 1 de novembro de 2009

Rain of tears

O céu de poços sempre está pronto para chover. Mesmo que o sol brilhe forte lá em cima, mais forte do que o normal para a cidade, ainda assim as nuvens escuras ficam sobre as montanhas, esperando para se derramar.

Parecem olhos de velhinho: Aqueles olhos fundos, lacrimejantes. Sempre prontos para chorar. Apesar do sorriso automático, sorriso de resina, artificial, a chuva dos olhos sempre está pronta para se precipitar.

A cidade me pareceu triste. Muita gente correndo, se esbarrando. Muitos carros parando nos cruzamentos, pessoas brigando, barulho, barulho, calor. Não costumava ser assim. Costumava ter velhinhos sentados nos bancos, dando de comer aos pombos. O coreto com chorinho embalando casais de décadas.

Eu quase não vi velhinhos hoje. Só vi os seus olhos quando olhei as nuvens chorosas.

Está chovendo. O cheiro da chuva é inconfundível.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Aos 26

Depois dos 18, por uma série de acontecimentos, todo aniversário meu foi uma data na qual eu pensava: "porra, eu tô ficando velho, e não consegui nada nestes anos". Era tipo o ano novo, mas bem pior, pq no ano novo eu costumo fazer a retrospectiva de apenas um ano, e no meu aniversário acabava sendo da vida inteira...
E porra, são 26. Já tô além da metade, não são "20 e poucos anos" são "quase 30" agora.
Piadas idiotas à parte, é estranho. Sim, me sinto velho. Me sinto um pouco fracassado. Sou um universitário de 26 anos, trampando em um trabalho que muitos acham que é de moleque. Triste? Até poderia ser.
Maos 26 anos eu entendi. Não é a meta, é o caminho. Não é a reposta, são as perguntas que você faz para tentar descobri-la. Não é a verdade, é o desejo justo e despretencioso de tentar alcançá-la. Não faz sentido?
Em meus 26 anos conquistei pouco. Será? O que fiz pela minha família, o que fiz por mim e por outras pessoas próximas, as amizades que cultivei, cada sorriso e cada lágrima apaixonada, cada risada insana, cada sonho abandonado, cada um realizado, tudo isso preencheu meus 26 anos.
E no final eu entendo. Não é o que eu tenho nestes 26 anos, é o que eu já fiz. E já fiz bastante coisa. No geral, acho que mais coisas boas do que ruins, e isso é legal. O melhor, é que ainda não chegou no final, ou seja, ainda tenho muito a percorrer...
Nas palavras de uma amiga, e talvez poucos entendam essa piada, "tudo é um processo, estamos no caminho..."
E minha vida nem é tão chata assim. Trabalho com pessoas que gosto. Tenho bons amigos. Tenho um gato de 7 kilos. Tenho bons patrões. Tenho uma família estranha, mas perfeita. Tenho uma pinta (?) verde nas costas. Vivo um amor muito foda.
E é isso. Eu entendi isso aos 26.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Eu não vou ganhar um especial de natal

O barulho das chaves e das moedas tilintando em seu bolso, o som que vazava dos fones, os passos nervosos, rápidos, pesados, esse era o som que o acompanhava. De resto, caminhava em silêncio.
"Parece estar em outro mundo", diziam. De fato, estava em outro mundo. Ignorava o mundo à sua volta, mergulhado na indolência e arrogância características da sua personalidade. O mundo era só ele e o caminho.
O caminho, uma avenida pouco iluminada com pessoas que se movimentavam parecendo recortes de jornais, ignoradas em sua história, coadjuvantes que não ganhariam um especial de natal na programação de final de ano. Afinal de contas, ao menos para ele, nenhum deles era carismático o suficiente para tal evento.
O vento, assim como os transeuntes, iam contra ele, só ele ia em direção ao seu destino, ninguém, nenhuma folha, nenhuma brisa o acompanharia, apenas ele, suas moedas e suas chaves.
Um esbarrão, um incidente, o força a romper o silêncio, a balbuciar um "desculpa". A moça o olha com cara de ódio. Sua cara fechada e o esbarrão, haviam ofendido ela, aparentemente.
Tentou ignorar e continuar seu caminho. Mas um vazio terrível, um remorso infantil mordiscou sua nuca. Parado, sentiu o vento lambendo seu rosto, dançando em sua volta e gozando dele, sentiu os olhares dos passageiros insólitos queimando suas costas... enfim entendeu: não ignorava o mundo. E a verdade recíproca que surgia da conclusão o incomodava ainda mais: o mundo não o ignorava.
Fez sentido o fato de pensar que nunca estamos sozinhos, de que nunca erramos ou acertamos sozinhos, de que nunca somos ignorados como queremos ou como achamos. A responsabilidade por tudo, pesou em seus ombros, e seus passos se afundaram no chão de concreto irregular. Sentiu vergonha, pensou em voltar, em se retratar, talvez se humilhar para provar seu arrependimento. Mas o vento mudou de direção e o empurrou em diante, a caminho do seu caminho.
As chaves e as moedas tilintavam em seu bolso, como a responsabilidade por tudo. E esse barulho nunca o deixaria esquecer.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

pseudopoetaressentido versão 2.6

É verdade. Fiquei com inveja porque tem um poema que fala sobre você, e não fui eu quem escreveu. Mas você sabe, eu nunca escreveria um poema, sou péssimo com rimas. Acho inclusive que minhas palavras são rasas e brutas, sem sonoridade, como as lagoas secas e sem vida da terra dos seus antepassados.
Não que me falte sentimento. Longe disso, talvez até sobre. Ele transborda, muitas vezes acho que sufoca, e de tão doce, amarga a garganta como fel. Mas deixa aquele sabor persistente, que fica, desejo de que o tempo não se esgote, saudade do que ainda não foi.
Mas o assunto é esse? Não, o assunto é a inveja.
E eu invejo a poetisa que escreveu sobre ti. E invejo os poetas que manejam as palavras, que as fazem cantar. Aqueles que fazem dos versos, a forma derradeira do sentimento, que moldam neles, o sentido que procuramos embaixo de cada pedra no nosso caminho, em cada canto que rola a poeira.
E a inveja me consome, me corrói, porque gostaria de ter ido além das palavras que já escrevi, para além de tudo, para perto do que você é.
E se um poema for dizer algo sobre mim, acho que deveria começar com "Pretensioso, arrogante e brega".
E se algum poema for dizer algo sobre nós, ele deveria começar com silêncio.
E sobre você, não há nada mais a ser escrito. Tudo o que eu preciso ler está escondido nas entrelinhas dos seus olhos de cores indecifráveis.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

One thousand cigarretes?

É quase um ritual.
Sentado observo as bolhas da coca no copo subirem para não se sabe onde. Pego o último cigarro do maço. Observo ele. Estalo o isqueiro três vezes.
Prendo o cigarro nos dentes, uma música que gosto começa a tocar. Acendo o derradeiro.
Sentado na sala, trago pacientemente o cigarro. A brasa brilha, caminha em direção ao filtro, a fumaça dança e desaparece no ar...
Olho o maço: a bolinha vermelha que me acompanhou durante anos, companheira na felicidade, na ansiedade... ele me olha com uma cara tão triste...
Mas você sabia que isso ia terminar um dia, não me olhe assim.
Vai ser o último beijo, acabou.
Sei que sempre tive uma queda por você, sempre tive recaídas, mas você sabe como estou agora, sabe que estou decidido a terminar isso.
Não fumo inteiro, o derradeiro, não apago ele no cinzeiro. Isso não é forma de terminar um relacionamento.
Tomo um gole de coca e espero. Observo ele apagar sozinho no cinzeiro: a brasa devorando a si mesma, se consumindo, morrendo...
E esse foi o último beijo. Acabou.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

plano é foda...

- Desce mais uma!
- Mas a gente não ia tomar só uma?
- Uma pra cada!
- Ah, entendi.
- E isso nos faz pensar no quanto essa vida é frágil, né? Tipo, duma hora pra outra já era.
- É...
- Isso é bacon ou toucinho?
- É só gordura mesmo.
- Ah, entendi.
- E fazer planos pra quê, né? No final tudo desanda...
- O pior é que não ta no final ainda... ainda pode piorar...
- Pois é... saideira?
- Pode ser.
- Mais uma, por favor!
- Fazemos planos, tentamos imaginar o que vai acontecer, "vou viajar pra tal lugar, vou comprar tal coisa, quando der vou fazer isso"... e daí acontece merda...
- Plano é só uma lista de coisas que a gente organiza para não acontecer...
- Essa porção era de quê mesmo?
- Bife acebolado com bacon.
- Hum... cadê a cebola?
- O toucinho comeu.
- Desce mais uma!
- Mas não era a saideira?
- Uma saideira pra cada um, porra!
- Ah, entendi...
- E no final é só surpresa essa vida mesmo, né? A gente pede uma porção de bife acebolado com bacon, e... vem uma de toucinho com carne...
- Pois é...
- E olha só, trouxeram Conti ao invés de Brahma...
- Só surpresa essa vida...
- Só surpresa mesmo...
- Desce mais uma!
- Saideira pra quem essa?

sábado, 12 de setembro de 2009

King for a day, fool for a lifetime

Não havia mais nada a ser dito. As meias palavras já haviam cantado a canção que eles queriam ouvir.
Não havia mais nada a ser visto. Os olhares tímidos já haviam vislumbrado a situação, inúmeras vezes.
Não havia mais nada a se esperar. Bastava assumir a conquista.
E não havia nada além do silêncio: o barulho do mundo não penetrava, os olhares do mundo não espiavam, ah, a completa ignorância! Esperava-se apenas por si mesmos.
O sol despiu o céu do seu manto de noite, pediu amorosamente para que a lua se deitasse. O céu se vestiu de azul claro, e foi assim que o grande astro soltou seus cabelos de fogo, deixando eles balançarem em labaredas.
Sei que você tem um mundo imaginário, e nele você é rei. Nele você é o carrasco justo, que pune com severidade e honra aqueles que assim merecem. Sei que deixa viver em paz e calmaria aqueles que assim você deseja. E nele você é o mestre das palavras, das respostas, nesse mundo você conquista o que é seu por direito, com lógica e paixão, conciliando termos que nunca, em nosso mundo real, se uniriam.
Conheço meu mundo imaginário. Conheço as vozes na minha cabeça, e elas me dizem para acreditar. Mas as vozes me dizem isso em silêncio.
Quando dorme, é a calmaria depois da tempestade, os olhos cerrados abrem o sorriso escondido. Nenhum som, nenhum soluço escapa: apenas a contemplação paciente, esperando os olhos se abrirem em cores impensáveis.
...
Guardo em mim o silêncio da manhã quente...

domingo, 30 de agosto de 2009

Sinceramente, hein?

Perguntaram a ele o que ele era "exatamente".
Mas era tão claro o que ele era. Pelo menos acreditava que fosse. Mas mesmo assim ele se definiu, da forma que sabia: "Não sei o que eu sou. Exatamente".
Por mais que a resposta parecesse descabida, desleixada ou vazia, era verdade. Não a verdade que procuramos como derradeira, como modelo máximo de racionalização, como advogada da ciência ocidental, amém. Era apenas uma resposta sincera.
Mas sinceridade nunca convenceu ninguém. Se assim fosse, seriam perdoados os que se arrependem sinceramente, quando se encontram com a lâmina fria da morte ou com a certeza do erro. Não que tenham se arrependido pela consciência de que seus feitos fossem "ruins" - lembrando que ruim e bom são conceitos construídos socialmente e historicamente, ok? - não, geralmente se arrependeram sinceramente pela vontade de viver, de não morrer (que obviamente não são a mesma coisa), ou pelo desejo de ter de volta algo irremediavelmente perdido.
E sinceramente?
Sinceridade nunca deu dinheiro.
Nem melhores amores.
Nem melhores dias.
E sou sincero quando digo isso. E por isso, ganho o que devo ganhar por ser sincero, um grande "cara como você é babaca".
Porque sinceridade é isso rapaz: ser babaca, ser tolo.
Ser sincero mesmo, é ter coragem de ofender primeiro.
Não perca a próxima oportunidade de ser sincero: se for comentar este texto, cuspa o veneno.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

13

O relógio bate 13 vezes . É hora de quê, afinal de contas?
Dos meus 13 melhores sonhos, guardo 13 pequenos tesouros.
Das 13 verdades derradeiras, sobraram 13 mentiras bem contadas.
Das 13 batidas do relógio, só ouvi a 13ª, as outras vinham do meu peito.
Dos 13 sorrisos mais quentes e confortantes, o seu não está. Ele não pode ser numerado ou nomeado.
13 passos adiante. 13 passos para trás. Fico no mesmo lugar. Só porque você está aqui.
Das 13 possibilidades, escolho todas as 13, porque não quero perder nada.
Já é hora. Hora dos 13 fantasmas assombrarem.
13 metros de corrente me prendem aos meus 13 medos. 13 metros é mais do que o suficiente para te alcançar.
Já é hora. 13 minutos para você decidir.
13 oportunidades para você desistir.
13 motivos para sermos nós mesmos.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Um com nada

Só mais um. E no final, é isso que somos, só mais um.
Perdidos, desorientados, procurando incessantemente por razões na vida, somos apenas um.
Somo um com tudo, com todos, uma legião caminhando em conjunto, encorajando e freando uns aos outros, somos apenas um.
Nos inventamos, nos destruímos, nos reciclamos, num balé frenético, mas incrivelmente sincronizado... odioso em seu caos, mas de beleza e harmonia hipnotizantes, somos um só corpo.
Destino? Não, não acredito.
Inevitável? Apenas aquilo que não se pode controlar, nossas vidas, nossos planos, que se desfazem em nossas mãos, se desmancham nos nossos sonhos inocentes.
E somos um com tudo, um com nada.
Frustrante? Não, não acredito. Mágico? Talvez... mas mais do que isso, apaixonante, não é?
Dança comigo nessa coreografia caótica? Vem, porque a música uma hora pára, e dançar sem música nem rola...

segunda-feira, 27 de julho de 2009

One Thousand cigarretes IV

Ela se preocupa porque ela me ama.
"Vai, por favor, apaga esse cigarro."
Ah, até a carinha dela de brava é linda. O jeito que ela aponta para o cigarro, a testa franzida...
E ela se preocupa com a saúde minha porque quer que eu viva muito tempo ao seu lado... como sou egoísta! Mas meu bem, troquei minhas virtudes pelos meus vícios há tanto tempo... será que seu amor pode me convencer de retornar minhas virtudes? Ah, que sentimento sublime que você tem por mim... mereço tanto?
"É a última vez moço. Vou chamar o gerente. Não pode fumar aqui na lanchonete."
Ah, ela está se fazendo de difícil para eu me apaixonar. Jogos do coração.
"Jorge, esse moço não quer apagar o cigarro."
Hum, chama outro homem para me fazer ciúmes, hein? Uma jogadora. Ah, eu faço o que vc me pede, mas só porque não quero que a nossa relação se desgaste...
...
...
...
...
Ok, o da cerveja foi melhor ^^

domingo, 19 de julho de 2009

???????? (nameless, nonsense mode: on)

O gosto amargo do cigarro. Não, ele nem percebeu.
O calor da brasa. Não, nem fez diferença.
Amargos mesmo estavam sua garganta e o peito.
Quentes mesmo estavam seus olhos marejados.
A fumaça faz a companhia que ele quer: ele desenha, imagina na fumaça o que quiser. Quando tenta alcançá-la, tocá-la, ela se desfaz. Pensa em voz alta: "Caçador de sonhos". E sua rede não consegue pegar as borboletas no aquário, nem o peixe fora d´água.
Sim, ele sentiu. Sempre achou que os golpes seriam mais leves. Não conseguiu calejar o peito o suficiente. Deveria ter treinado mais? Acha que não. Já treinou o suficiente, talvez seja assim, o calcanhar de Aquiles, é onde sente o golpe com mais força mesmo.
Talvez não tenha solução, no final das contas, talvez deva ser sempre assim.
Pensa em quanta coisa sem sentido passa pela cabeça. E ele nem está fumando erva.
Apaga o cigarro. A fumaça some. As borboletas ficam. O peixe morre.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

One Thousand cigarretes III

E por um momento ele parou.O tempo parou. Nem percebeu a brasa que caminhava lentamente, devorando o filtro, alcançando seus dedos, iluminado sua pele.
A pouca luz do ambiente atrapalhava a visão que gostaria de ter dela, mas mesmo assim, focava, apertava os olhos para vê-la. A música alta se fundia com vozes e gargalhadas, se entrelaçavam histericamente, entravam em seus ouvidos deixando um desagradável zunido, mas mesmo assim, tentava se concentrar para ouvir a voz dela.
Olhos de mistério. Interrogando-o, a charada da esfinge, bem diante dele. E ele tentava encontrar a resposta: procurou em sua mente, não a achou; em sua alma, nenhum vestígio; em seu coração, apenas palpites. Abdicou da resposta, deixou ser devorado.
Impelido pelo incômodo calor da brasa, que a esta altura já lambia com sua língua flamejante a ponta de seus dedos, soltou o resto do cigarro. A dor da queimadura foi ignorada pela perplexidade da charada da esfinge:
"Me empresta o isqueiro?"
A resposta não vinha. Os comandos enviados do cérebro para a sua língua e boca se perdiam em algum lugar entre o tempo e o espaço.
"O isqueiro... me empresta?"
...
...
...
Silêncio. O silêncio do coma.
Apalpou o isqueiro no bolso, entregou para a inquiridora. Ela acende o cigarro. Calmamente ela se vira, e caminhando, desaparece entre a floresta de pessoas.
Pensativo, ele solta o resultado da torrente de pensamentos que era produzida em sua cabeça: "Filha da puta, levou meu isqueiro." E procura outra charada para resolver.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Superstar! (que título... hum... estranho...)

Algumas vezes, quase sempre, quase sem querer... achamos que o filme da nossa vida é apenas um filme B: baixo orçamento, atores de qualidade questionável, com roteiro escrito a três mãos por mexicanos - nada contra os mexicanos..
Onde estão os holofotes no grandioso momento? Onde está o vento a balançar os cabelos da bela donzela? Onde está a música de fundo para dar o clima? Onde está a lua para iluminar a noite encantada? Orçamento baixo dá nisso...
Mas pensa assim: na melodia caótica dos carros correndo pela avenida, na sinfonia confusa do ônibus, no farfalhar das asas das pombas que sobrevoam sua cabeça, no frio cortante do posto de gasolina - enquanto tu esperas pelo momento do acaso, aquele, que nunca vem - você faz seu filme, com o orçamento de que dispõem... e olha, produção assim costuma ganhar Cannes, viu?
Quem precisa de holofotes, quando o grandioso momento se ilumina pela piada digna do melhor filme de humor inglês? Quem precisa de música de fundo, quando o silêncio sepulcral sela os lábios dela, mas mantém os olhos vivos, ávidos, pela sua companhia? E quem precisa de boa direção? O talento se mostra no improviso, cara!
E vai lá, se parar para pensar, nosso filme até que é bacana... já tem 20 e poucos anos que estou assistindo o meu, e, até agora, não entendi a trama da parada... e mesmo assim não me cansei de assistir... e olha que o protagonista não é do tipo galã, nem do tipo sedutor... ele é uma figura mirrada, de ombros caídos... quase um anti-herói, mas pelo menos gosto do senso de humor dele...
Fez sentido para você? Não, não a parte de eu não ser galã...
O que eu quero dizer é que, se, nesse momento, você que lê isso - não que muitas pessoas o façam - ficou com uma puta vontade de ouvir "Eyes of the tiger", ou se você não tiver preconceitos, "I will survive"... ou vai lá, se você for daqueles meio cult/meio de esquerda, pode ser alguma coisa tipo Bjork...talvez o filme da sua vida esteja com uma crítica boa do público... Acho que estou lendo muito livro de auto-ajuda.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

"The apple, the phoenix, the sun and the little warrior princess"

O sol brilhou no céu do reino do amanhã. Forte e radiante, ruivo como a fênix, vermelho como uma maçã madura, que despenca da árvore e se entrega sem hesitação ao chão.
O sol brilhou, e lambeu a nossa pele fria, secou as lágrimas dos olhos que ardem, fez suar os corpos mitigados pelo cansaço, queimou as expectativas de ruína.
O sol gritou alto no firmamento, e se fez ouvir. Olhando para cima, acreditei.
Acreditei que as nuvens não te seguiriam até sua casa. Acreditei que a lua só se mostraria para garantir o seu sono, e que te acompanhando até seu leito, diria em voz mansa: "o sol voltará amanhã".
E o sol irá brilhar, ruivo e imponente como a fênix. Com a esperança dos que abrem o peito para o desafio de acreditar e amar. Com a doçura da fruta que cai da árvore e se entrega às bocas famintas.
Acreditei, e ainda acredito. O sol há de brilhar para o mundo amanhã.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

De vez em quando...

E de vez em quando, ele se sente assim.
Aquele desejo de arcar sobre suas costas fracas, a dor das pessoas queridas. Engolir todas as lágrimas derramadas, para secar os olhos daqueles com quem se importa.
E de vez em quando, ele se sente assim.
Com o inquietante sentimento de não suportar ver quem não merece a dor, recebê-la. E ele aceitaria de bom grado as farpas destinadas aos párias, somente para que pudesse ter certeza de que receberiam conforto, para ter certeza que elas teriam o ouro dos tolos, a felicidade, aquelas pessoas que ele carrega em seu peito fechado.
E de vez em quando, ele faz suas preces... esperando que sejam atendidas, não pelo seu merecimento, mas pelo merecimento deles, não para sua dádiva, mas para a dádiva deles, os que importam para ele...
E de vez em quando ele se sente assim... impotente, por não poder amparar com o seu ombro vacilante, aqueles que precisam de apoio...
E de vez em sempre, ele se sente assim... desejando o mundo para aqueles que merecem...

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Bad, bad dog (nonsense mode:on)

E fez-se o silêncio.
Ainda escutou um último choro do pobre cachorro, mas resistiu. Não desamarrou a boca dele. E assim ela ficaria, amarrada. Confiou ao velho do tempo a guarda do animal. Os olhos tristonhos do bicho, quase o convencem a voltar atrás. Mas opta pelo silêncio.
Silêncio irritante, quase insuportável, mas necessário: não queria o cachorro brandindo e babando sobre os outros, não o queria ferindo as pessoas, não o queria ferido. Suporta a falta do animal urrando em seu peito, vociferando e faminto, pela expectativa de um dia poder deixá-lo ver o sol. E talvez ele o veja: brilhando em vermelho, radiante.
Em silêncio, ele tenta dizer o indizível, explicar o inexplicável, tenta decifrar o enigma dos olhos da esfinge: o silêncio é a forma de dizer que se importa.
E de todas as palavras que ele poderia um dia ter dito, nenhuma terá mais sinceridade e altruísmo que o silêncio de seu cão, guardado pelo velho do tempo...
E fez-se o silêncio...

sábado, 27 de junho de 2009

Cousteau Who?

Um ninho. Papéis, roupas, fósforos, uma embalagem de preservativo. Era um ninho.
Incomum apenas o local. Bem em frente da loja, na “varandinha”. Me sento no canteiro que fica no canto da varanda. Acendo um cigarro enquanto espero a chave da loja chegar.
Cara, um ninho. Bem ali. Observando, vejo muitos fósforos. Entre os papéis, duas agendas telefônicas. Algumas folhas rasgadas, de uma revista “orientada para o público masculino” , colorem o chão com tons cor de pele. Uma calça jeans forrava o ninho.
O dono de uma loja ao lado passa, estou tragando o final do cigarro. Penso alto comigo, “um ninho de gente!”. Fico consternado com minha descoberta digna de um documentário sobre animais da BBC.
“Vixi, e essa sujeira?”
“Pois é....”
“Mancada. Por que os caras fazem isso?”
“Deve ser fantasia sexual: fazer sexo como mendigos na frente de uma loja qualquer. A classe média, e média alta, como nós, têm esse hábito de desenvolver válvulas de escape para compensar as frustrações cotidianas. Algumas vezes estas válvulas se manifestam na forma de representar e praticar o coito.”
“Como?”
“Se você come? Não sei, mas ali alguém comeu, provavelmente.”
“Do que você tá falando?”
“Não sei.”
É claro que sei. Acendo mais um cigarro. Aquela estaca de culpa social atravesa o peito. Por um instante, ouço aquela voz de narrador de documentário falando: “algumas vezes esses misteriosos animais aparentam sentir culpa e remorso”.
Cara, era um ninho de gente.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

oh, darling! (título meio engraçado...)

Te peço um tempo para pensar.
Acendo um cigarro. Puxo pacientemente o ar. Luminosa, a brasa arde na ponta do cigarro. A fumaça envolve meu rosto. Ela causaria incômodo aos meus olhos, se eles já não estivessem semi cerrados, devido à contemplação interior causada pela pergunta feita por você.
Impaciente você me olha, cobrando a resposta. Dar respostas é tão difícil querida. Temos de assumir a responsabilidade por ela, e isso me causa um pouco de insegurança. Meu estado introspectivo é justificável, portanto, minha querida, não me apresse com a sua ansiedade pela maldita resposta.
Deus! Mas como és impaciente! Você corta minhas ponderações repetindo a constatação que me deixou transtornado, a pergunta que me deixou pensativo: “moço, a gente não tem essa cerveja, você qué cristal ou glacial?”
Ah, querida, tão impaciente. Eis seu charme.
“Ah... num rola nem uma conti, não?”
“Cristal ou glacial?”
“Hum... esquece, me dá uma coca.”
“Só tem pepsi e sukita.”
Acendo outro cigarro. Te peço um tempo para pensar.

sábado, 20 de junho de 2009

Texto arrogantealeatóriobabacajuvenil.

O herdeiro das cinzas reivindica seu legado estéril de sonhos covardes e esquecidos.
Ele deseja seu trono vazio e frio, guardado pelo véu feito de lágrimas. Vamos, devolva-lhe o que é dele por direito!
Devolvam, pois ele é o filho do fogo extinto, da volúpia consumida! É ele o nascido das cinzas das horas não vividas, das possibilidades perdidas!
Duvidas? Pois olhe: em suas veias estreitas corre o sangue ralo dos derrotados; em sua boca jorra a saliva amarga dos servos; em seu peito arde o ressentimento dos fracos!
Olhe! Reverencie o herdeiro das cinzas! Herdeiro dos dias queimados, dos amores cauterizados, das feridas marcadas a fogo, do ódio que queima!
Dêem a ele, ao nosso filho, o que lhe pertence por direito! Construímos este mundo caótico para ele reinar, então que seja! Veste tua coroa, herdeiro das cinzas!
...
...
...
Amargo? De mau gosto? Arrogante? Também acho... mas... fazer o quê, né? Um pai de verdade não renega seu filho...

segunda-feira, 15 de junho de 2009

One thousand cigarretes II

Era sexta. Não tenho aulas às sextas. Saio do trabalho, mato algum tempo na faculdade. Converso um pouco. Minha paciência social se acaba quando percebo que estou sem cigarros. Passo no posto para comprar um maço.
10:30. Talvez um pouco mais. O posto está cheio, a avenida está cheia. Terá um show ou algo parecido. Carros e seus donos disputam atenção com músicas de amores perdidos e amores reencontrados. Quando se pára para pensar, os temas musicais, independentes do estilo, são muito parecidos.
Abro o maço. Coloco um cigarro entre os dentes, mastigo o filtro ainda com ele apagado. Pondero se devo acendê-lo. Toda agitação ao meu redor, e o meu sentimento juvenil de não pertencimento me convence de acender o maldito cigarro.
Tomo um caminho diferente para casa. Coloquei o fone de ouvido, uma música qualquer começou a tocar. Ela era quase inaudível, devido às outras músicas que tocavam dos carros e do bar perto do posto. Castigo meus ouvidos e aumento o som..
Vários universitários bebiam e faziam churrasco na calçada. Desci da calçada e passei a andar rente ao meio fio. Um carro que vinha pelo meio da rua, um pouco rápido de fato, vira bruscamente na minha direção, ele obviamente estava indo até a festa na calçada, queria se fazer notar, mostrar que chegou. O problema era justamente que eu não fazia parte da festa da calçada, não conhecia ninguém, apenas estava indo para casa. Ele freia a poucos centímetros de mim. Até escuto uma moça no fundo gritar "ai meu deus". Fico parado. O cara dentro do carro ri. Mastigo o filtro do cigarro, agora aceso. O filtro retém uma parte considerável das impurezas do cigarro. Quando usado, ele é muito mais amargo que o gosto da fumaça do cigarro.

Instantaneamente meus olhos marejaram, queimaram. Raiva? Não sei. Diante daquela situação senti um certo desespero, me senti ridículo. Deve ser o sentimento dos pequenos nerds que matam nas escolas americanas. Deve ser o sentimento dos heróis improváveis dos filmes do cinema em casa. Deve ser o ódio do servo.

Passei de cabeça baixa pelo carro. Pela cara do motorista, ele se divertia. Continuei indo, me sentindo pequeno. Sempre achei que, com o tempo, o meu ódio juvenil pelos playboys, a minha inveja, diminuiria. Não, não diminuiu.

Deste texto não sairá nada de profundo. É tão somente uma ode ao meu ódio infantil, recalcado e reprimido. Tudo o que queria naquele momento, é que meu sangue oriental tivesse me passado algum gene kung fu, ou algo parecido. Mas infelizmente apenas recebi a dádiva da baixa estatura, e um corpo mirrado, além de movimentos desengonçados.
O pior de tudo é querer me convencer de que eu não o invejo. Querer me convencer de que eu não queria estar no lugar dele, de ter as mulheres que ele tem, de ter os amigos que ele tem, de gozar das possibilidades de vida que ele tem. Sempre tentei me convencer pela minha "pureza", de que as frustrações da vida fizeram de mim uma pessoa "sensível" e "empática", de que eu sou melhor do que esse tipo de pessoa. Besteira. Minto quando digo que não quero ser "o motorista sorridente". Só o odeio por puro ressentimento, por ele ser algo que eu não posso ser, e que com certeza nunca serei.
Jogo o final do cigarro fora. Pego outro do maço. Mordo o filtro, ainda sem acendê-lo. Que merda. Ele já está amargo.

sábado, 6 de junho de 2009

Texto aleatório nonsense: "Saia da minha propriedade!", ou, "o velho e a espingarda". (sem nome em inglês, dessa vez)

O velho balança em sua cadeira na varanda, com sua espingarda encostada sobre o ombro. Ela não atira, nunca atirou, foi feita só para assustar. Assim como a carranca do velhote. A carranca, o mau humor, os palavrões, a falta de paciência foi só uma roupa que ele colocou e esqueceu de tirar, virou pele.

Balançando na varanda, observando o movimento do passado, assiste ao filme amarelado e nebuloso da lembrança. De vez em quando sorri. Um sorriso que lhe racha os lábios, já ressecados pela constante face sisuda, quase sangra. O sorriso às vezes é de nostalgia, algumas vezes de vergonha pelas ações bobas e infantis que já fizera. Sim, o velho já foi criança. Ah, sim, faz tempo. Foi criança quando se costuma ser. Mas foi criança também quando jovem... em seus vinte e poucos anos... e quando pondera, tem a impressão de que criança sempre foi: mimado, covarde, dependente... assim como toda boa criança.

Sente vergonha por ter sido criança durante tanto tempo. Sorri novamente, aquele sorriso que os desesperados têm diante da derradeira hora, pois se lembra do porquê da roupa que se esqueceu de tirar: foi para tentar não parecer criança, quis parecer velho. E velho ele é agora. Mas ainda tem o medo que as crianças têm.

E o velho continua a balançar em sua cadeira na varanda, com sua espingarda encostada sobre o ombro. E lembra de uma brincadeira, uma piada sobre o velho: "Saia da minha propriedade!". E quase sorri de felicidade, mas ela foge... porque essa brincadeira só o faz lembrar da criança que ele é.

E a criança continua a balançar em sua cadeira na varanda, com sua espingarda de brinquedo sobre o ombro. E já não sabe se é um velho infantil, ou uma criança senil. Mas repete a brincadeira, com a alegria sádica do penitente que se martiriza: "Saia da minha propriedade!". E confuso, não sabe se sorri, ou chora pela saudade do não vivido.

E o velho continua a balançar. Mal percebe a figura desengonçada que toma espaço na varanda: uma grande ave, esguia, de pouca plumagem, em cores vivas. De susto, deixa cair a espingarda. A estranha ave murmura: "Saia da minha propriedade". E confuso, tem a impressão de que ela sorriu. "A ave sorriu", pensa em voz alta... e um sorriso lhe racha os lábios mais uma vez...
...
...
...
E??????
Que porra é essa? O que diabos isso tem a ver? Ok, nonsense.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

one thousand cigarretes

Nada contra o politicamente correto. Em fato, questiono sobre a existência do certo, mas mesmo assim não tenho nada contra ele. Quero acreditar, mas não vejo sua existência em nada, certo e errado são uma questão de perspectiva, juízo de valor, moral, fé, universalização das ações, sei lá, coloque como você quiser.

Errado e certo, eu julgo do meu jeito. Ok. Vício é ruim, é errado, se opõe à virtude, etc e tal.
Vícios? Tenho mais do que virtudes, isso com certeza. Sou uma pessoa ruim?Depende do seu ponto de vista. Mas em geral, sou uma pessoa no mínimo desagradável.

Exercendo um dos meus vícios, o fumo, estava esperando a fila do café se acabar. Quando a fila acaba, arremesso impiedosamente o resto do cigarro no chão. Procurando o cartão do café em minha carteira, sou surpreendido por uma pequena multidão que me observava, enquanto uma figura esbravejava algo que eu não conseguia ouvir por causa do fone de ouvido. Observando seus lábios, percebi que ela dizia algo como "cigarro e chão". Olhei a pobre bituca jogada no chão, usada e depois descartada, pobrezinha. Totalmente abusada, estuprada pela boca e pulmões de um homem terrível, queimada na volúpia do desejo egoísta.

Peguei a pobre alienígena, mostrei a todos os espectadores, e a devolvi ao seu mundo: o lixo. Mas não o fiz antes de ouvir "quer se matar, que se mate sozinho, mas não mate os outros, nem estrague o nosso mundo" ou algo assim. E também não perdi a oportunidade de dizer, "pronto, temos um mundo melhor".

Ok. Eu também acho que fui - e ainda sou - um babaca. Mas é que acho tão irritante, a mania que as pessoas corretas têm, de lembrar as outras pessoas das coisas erradas que elas fazem. Eu não digo em momento algum que tenho o direito de sujar o chão, não. É muito nojento mesmo. O cigarro é um vício sujo. Vício combina com sujeira, com pecado, né?
Sabe aquela parada de nos redimir? Fazermos a nossa parte e tal... aquela história do beija-flor, que levava a gota d´água para apagar o incêndio, e por aí vai...

Sabe o que eu penso? Na nossa ânsia de salvar o mundo, fazer o certo, ser bom, ser justo, ser cristo, achamos que somos tão unidos com tudo, com todos, tão desprendidos de nós mesmos, que não percebemos o quão egoísta é ser bom, para tudo e para todos. No final da contas, fazemos o "bem" para nos sentirmos bem. Apenas para podermos ver o caos, encher o peito e dizer, "fiz minha parte, se não deu certo é porque você não está fazendo".
Ok, não estou fazendo mesmo. Mas porra, por isso devo ser execrado, massacrado? Os politicamente corretos tem esse direito? Me expulsar do projeto de paraíso deles? De rasgarem minha passagem na astronave que vai levá-los para longe daqui?

Só para acabar, não tenho nada contra o politicamente correto. Mude o mundo, faça a diferença, espero que dê certo, porque está tudo errado mesmo. Mas por favor, não tente arrancar o cigarro da minha boca. Sua mãe nunca te falou para não brincar com drogas, muito menos com viciados? Não derrube minha coca cola, só porque você não bebe o líquido negro do capitalismo. Eu nunca vou enfiar a mão no seu prato e arrancar o seu bife, só porque eu não curto carne.
Sabe, prefiro o paraíso pelo clima, o inferno pela companhia. Mas entre clima e companhia, fico com a companhia.

Ah, e antes que eu me esqueça, o maldito beija-flor conseguiu motivar os outros animais, e juntos eles apagaram o incêndio. Hoje o beija-flor faz palestras sobre motivação de grupos e liderança para executivos, já escreveu 3 livros, e fizeram um especial sobre ele no globo repórter.

sábado, 9 de maio de 2009

Eu queria gomets de laranja

Sempre achei este cruzamento meio dramático, irônico, exemplar. Quando estou indo para casa, do meu lado direito tenho a prefeitura, um prédio grande, e agora que foi reformado, até simpático; Do meu lado esquerdo, uma igreja... não sei a santidade que guarda seu nome e suas portas; Em frente, uma frondosa árvore, que protege com seus galhos carcomidos a estátua do soldado. Estátua já esbranquiçada pela ação do tempo... ok, não é ação do tempo coisa nenhuma... é merda de passarinho mesmo.

No sinal do cruzamento sempre há pedintes, sempre há crianças vendendo docinhos. Não raro compro um. Compro não porque eu gosto dos docinhos, não, nem gosto muito. Das jujubas eu gosto da laranja, mas sempre vem tão pouco. Compro por uma pontinha de culpa que me cutuca.

Antes eu pedia para a criança ficar com o doce, apenas lhe dava o dinheiro, tipo esmola mesmo. Depois passei a achar essa minha atitude meio babaca, e consumido pela culpa, passei a ficar com os doces. Como a culpa ainda me afligia, por desperdiçar os doces, passei a comê-los. Muitas vezes ali, na frente da criança, para tentar mostrar que eu comprava não para ajudá-la, mas porque eu queria os doces.

Simbólico o cruzamento porque fica do lado da igreja. E quando as beatas descem, já tendo sido absolvidas de seus pecados, ao devorar a bolachinha de água com farinha, eu sou “absolvido” dos meus, devorando hóstias de jujuba de laranja. Ninguém é absolvido. Ninguém se livra assim de seus pecados. A menina ainda vende docinhos no sinal, e o camarada ainda está pendurado com cara de triste.

Irônico porque fica do lado da prefeitura. Um prédio simpático, com um slogan bem grande “cidade do amor e da liberdade”. Ok, liberdade está nos direitos humanos, amor não, é muito subjetivo. E subjetividade a gente deixa de lado. Ah, liberdade hoje em dia é meio subjetiva também. Por via das dúvidas, é melhor deixá-la de lado também.

Exemplar é a estátua do soldado. Bombardeada com caquinhas brancas. Esse sim está de acordo com o sinaleiro.

E o mundo cão ainda late, correndo atrás da roda que leva para lugar nenhum. Viajei? Só espero que não tenha sido para o México.

quinta-feira, 7 de maio de 2009