segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Depois, depois, depois

Olhava para o teto. A luz de 60 watts nunca iluminou tanto: amarela, ardia e incomodava os olhos vermelhos, inchados, cansados. Pareciam que tinham areia, areia molhada.
Colocou a mão direita sobre a testa. A esquerda suportava a cabeça, dava uma sensação falsa de conforto: ela estava dormente, o pescoço também já doía. A situação toda era um engôdo.
Fechou os olhos. O ponto amarelo ainda estava lá: insistente, insolente, impertinente, e outros "in" que também já foram usados para descrevê-lo.
Cansado, cansado. Desanimado, desanimado.
Pensou em rasbicar algo. Pegou uma folha. Desenhou traços rápidos com o lápis 6B, sabia que o traços sairiam borrados, toscos, grosseiros, não queria nada além daquilo. Percebeu que o desenho era dele, era sobre ele. Escreveu palavras desconexas, coisas que até faziam sentido para ele, não fariam para mais ninguém. "Rápido como, atroz como... uma flecha".
O velho não voltaria hoje, não voltaria nunca mais.
Só em sonhos, mudo, com olhos cansados. Só em sonhos, na chuva, triste. Só em sonhos, sem ouvir nenhuma palavra, além do clichê: "eu sinto muito".
Dobrou o papel, colocou na carteira. Pensou em voz alta: "depois a gente conversa sobre isso". Depois, depois. Sempre depois. Talvez o depois não chegue, talvez nunca chegue.
Colocou a carteira sobre a escrivaninha, apagou a luz, se deitou. A luz ainda estava lá, mesmo de olhos fechados. Sempre está lá, mesmo não estando.
"Depois, depois, depois".

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