O vento entrava pela janela agitando a cortinas brancas, pálidas. Não saberia dizer se estava quente ou frio, estava preocupado com outra coisa.
- Hum... sempre pensei que fosse ser diferente.
- Tipo o quê? Uma luz no final do túnel? Você "sairia" do seu corpo e veria tudo de cima? Um flashback dos melhores momentos?
- É, mais ou menos isso.
- Não, não é assim.
- E se eu tentar fugir de você? Igual àqueles filmes...
- Não dará cero. Na verdade, você já está morto. Estou aqui só notificando você, coisa de protocolo, entende.
- Mas justo agora?
- É, você morre agora. Dormindo, o que é uma benção para muitas pessoas rapaz.
- Hum... e se eu gritar?
- Como eu disse, você já está morto. Mortos não gritam. Ninguém ouvirá você.
- Não há nada a ser feito, não é?
- Você não pode fazer nada, se é isso que quer dizer.
- Ok.
Ele tateia o criado mudo, pega o maço de cigarros.
- Engraçado, eu posso pegar eles.
- Sim, pode. Estamos numa espécie de "sonho". É um estágio antes de você ir embora. Você controla este ambiente.
- Posso fumar, né? Afinal de contas...
- Sim pode. Na verdade você não morreu por causa do seu vício.
- Gostaria que minha mãe ouvisse você agora.
Acende o cigarro. Traga. Não sente o gosto. Não sente nada.
- Uma espécie de sonho, né?
- Sim.
- Sim.
- E se eu me concentrar... posso trazer alguma pessoa para me despedir? Para dizer algumas palavras?
- Talvez.
Fecha os olhos, deseja com toda a fé perdida, com todo o amor congelado, com todo o ódio vivo... abre os olhos: nada.
- Mas...
- Eu disse "talvez". Já chega, vamos. Por que vocês se arrependem quando morrem? Que chatice, é sempre a mesma coisa. Tem uma vida toda para fazer um monte de merda e vão querer concertar quando eu chego. Ah, não, ninguém merece. Vamos que meu expediente já está no fim.
- Eu só queria...
- Chega de mimimi.
Um túnel longo, com uma luz trêmula se abre. Que clichê.