sábado, 27 de junho de 2009

Cousteau Who?

Um ninho. Papéis, roupas, fósforos, uma embalagem de preservativo. Era um ninho.
Incomum apenas o local. Bem em frente da loja, na “varandinha”. Me sento no canteiro que fica no canto da varanda. Acendo um cigarro enquanto espero a chave da loja chegar.
Cara, um ninho. Bem ali. Observando, vejo muitos fósforos. Entre os papéis, duas agendas telefônicas. Algumas folhas rasgadas, de uma revista “orientada para o público masculino” , colorem o chão com tons cor de pele. Uma calça jeans forrava o ninho.
O dono de uma loja ao lado passa, estou tragando o final do cigarro. Penso alto comigo, “um ninho de gente!”. Fico consternado com minha descoberta digna de um documentário sobre animais da BBC.
“Vixi, e essa sujeira?”
“Pois é....”
“Mancada. Por que os caras fazem isso?”
“Deve ser fantasia sexual: fazer sexo como mendigos na frente de uma loja qualquer. A classe média, e média alta, como nós, têm esse hábito de desenvolver válvulas de escape para compensar as frustrações cotidianas. Algumas vezes estas válvulas se manifestam na forma de representar e praticar o coito.”
“Como?”
“Se você come? Não sei, mas ali alguém comeu, provavelmente.”
“Do que você tá falando?”
“Não sei.”
É claro que sei. Acendo mais um cigarro. Aquela estaca de culpa social atravesa o peito. Por um instante, ouço aquela voz de narrador de documentário falando: “algumas vezes esses misteriosos animais aparentam sentir culpa e remorso”.
Cara, era um ninho de gente.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

oh, darling! (título meio engraçado...)

Te peço um tempo para pensar.
Acendo um cigarro. Puxo pacientemente o ar. Luminosa, a brasa arde na ponta do cigarro. A fumaça envolve meu rosto. Ela causaria incômodo aos meus olhos, se eles já não estivessem semi cerrados, devido à contemplação interior causada pela pergunta feita por você.
Impaciente você me olha, cobrando a resposta. Dar respostas é tão difícil querida. Temos de assumir a responsabilidade por ela, e isso me causa um pouco de insegurança. Meu estado introspectivo é justificável, portanto, minha querida, não me apresse com a sua ansiedade pela maldita resposta.
Deus! Mas como és impaciente! Você corta minhas ponderações repetindo a constatação que me deixou transtornado, a pergunta que me deixou pensativo: “moço, a gente não tem essa cerveja, você qué cristal ou glacial?”
Ah, querida, tão impaciente. Eis seu charme.
“Ah... num rola nem uma conti, não?”
“Cristal ou glacial?”
“Hum... esquece, me dá uma coca.”
“Só tem pepsi e sukita.”
Acendo outro cigarro. Te peço um tempo para pensar.

sábado, 20 de junho de 2009

Texto arrogantealeatóriobabacajuvenil.

O herdeiro das cinzas reivindica seu legado estéril de sonhos covardes e esquecidos.
Ele deseja seu trono vazio e frio, guardado pelo véu feito de lágrimas. Vamos, devolva-lhe o que é dele por direito!
Devolvam, pois ele é o filho do fogo extinto, da volúpia consumida! É ele o nascido das cinzas das horas não vividas, das possibilidades perdidas!
Duvidas? Pois olhe: em suas veias estreitas corre o sangue ralo dos derrotados; em sua boca jorra a saliva amarga dos servos; em seu peito arde o ressentimento dos fracos!
Olhe! Reverencie o herdeiro das cinzas! Herdeiro dos dias queimados, dos amores cauterizados, das feridas marcadas a fogo, do ódio que queima!
Dêem a ele, ao nosso filho, o que lhe pertence por direito! Construímos este mundo caótico para ele reinar, então que seja! Veste tua coroa, herdeiro das cinzas!
...
...
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Amargo? De mau gosto? Arrogante? Também acho... mas... fazer o quê, né? Um pai de verdade não renega seu filho...

segunda-feira, 15 de junho de 2009

One thousand cigarretes II

Era sexta. Não tenho aulas às sextas. Saio do trabalho, mato algum tempo na faculdade. Converso um pouco. Minha paciência social se acaba quando percebo que estou sem cigarros. Passo no posto para comprar um maço.
10:30. Talvez um pouco mais. O posto está cheio, a avenida está cheia. Terá um show ou algo parecido. Carros e seus donos disputam atenção com músicas de amores perdidos e amores reencontrados. Quando se pára para pensar, os temas musicais, independentes do estilo, são muito parecidos.
Abro o maço. Coloco um cigarro entre os dentes, mastigo o filtro ainda com ele apagado. Pondero se devo acendê-lo. Toda agitação ao meu redor, e o meu sentimento juvenil de não pertencimento me convence de acender o maldito cigarro.
Tomo um caminho diferente para casa. Coloquei o fone de ouvido, uma música qualquer começou a tocar. Ela era quase inaudível, devido às outras músicas que tocavam dos carros e do bar perto do posto. Castigo meus ouvidos e aumento o som..
Vários universitários bebiam e faziam churrasco na calçada. Desci da calçada e passei a andar rente ao meio fio. Um carro que vinha pelo meio da rua, um pouco rápido de fato, vira bruscamente na minha direção, ele obviamente estava indo até a festa na calçada, queria se fazer notar, mostrar que chegou. O problema era justamente que eu não fazia parte da festa da calçada, não conhecia ninguém, apenas estava indo para casa. Ele freia a poucos centímetros de mim. Até escuto uma moça no fundo gritar "ai meu deus". Fico parado. O cara dentro do carro ri. Mastigo o filtro do cigarro, agora aceso. O filtro retém uma parte considerável das impurezas do cigarro. Quando usado, ele é muito mais amargo que o gosto da fumaça do cigarro.

Instantaneamente meus olhos marejaram, queimaram. Raiva? Não sei. Diante daquela situação senti um certo desespero, me senti ridículo. Deve ser o sentimento dos pequenos nerds que matam nas escolas americanas. Deve ser o sentimento dos heróis improváveis dos filmes do cinema em casa. Deve ser o ódio do servo.

Passei de cabeça baixa pelo carro. Pela cara do motorista, ele se divertia. Continuei indo, me sentindo pequeno. Sempre achei que, com o tempo, o meu ódio juvenil pelos playboys, a minha inveja, diminuiria. Não, não diminuiu.

Deste texto não sairá nada de profundo. É tão somente uma ode ao meu ódio infantil, recalcado e reprimido. Tudo o que queria naquele momento, é que meu sangue oriental tivesse me passado algum gene kung fu, ou algo parecido. Mas infelizmente apenas recebi a dádiva da baixa estatura, e um corpo mirrado, além de movimentos desengonçados.
O pior de tudo é querer me convencer de que eu não o invejo. Querer me convencer de que eu não queria estar no lugar dele, de ter as mulheres que ele tem, de ter os amigos que ele tem, de gozar das possibilidades de vida que ele tem. Sempre tentei me convencer pela minha "pureza", de que as frustrações da vida fizeram de mim uma pessoa "sensível" e "empática", de que eu sou melhor do que esse tipo de pessoa. Besteira. Minto quando digo que não quero ser "o motorista sorridente". Só o odeio por puro ressentimento, por ele ser algo que eu não posso ser, e que com certeza nunca serei.
Jogo o final do cigarro fora. Pego outro do maço. Mordo o filtro, ainda sem acendê-lo. Que merda. Ele já está amargo.

sábado, 6 de junho de 2009

Texto aleatório nonsense: "Saia da minha propriedade!", ou, "o velho e a espingarda". (sem nome em inglês, dessa vez)

O velho balança em sua cadeira na varanda, com sua espingarda encostada sobre o ombro. Ela não atira, nunca atirou, foi feita só para assustar. Assim como a carranca do velhote. A carranca, o mau humor, os palavrões, a falta de paciência foi só uma roupa que ele colocou e esqueceu de tirar, virou pele.

Balançando na varanda, observando o movimento do passado, assiste ao filme amarelado e nebuloso da lembrança. De vez em quando sorri. Um sorriso que lhe racha os lábios, já ressecados pela constante face sisuda, quase sangra. O sorriso às vezes é de nostalgia, algumas vezes de vergonha pelas ações bobas e infantis que já fizera. Sim, o velho já foi criança. Ah, sim, faz tempo. Foi criança quando se costuma ser. Mas foi criança também quando jovem... em seus vinte e poucos anos... e quando pondera, tem a impressão de que criança sempre foi: mimado, covarde, dependente... assim como toda boa criança.

Sente vergonha por ter sido criança durante tanto tempo. Sorri novamente, aquele sorriso que os desesperados têm diante da derradeira hora, pois se lembra do porquê da roupa que se esqueceu de tirar: foi para tentar não parecer criança, quis parecer velho. E velho ele é agora. Mas ainda tem o medo que as crianças têm.

E o velho continua a balançar em sua cadeira na varanda, com sua espingarda encostada sobre o ombro. E lembra de uma brincadeira, uma piada sobre o velho: "Saia da minha propriedade!". E quase sorri de felicidade, mas ela foge... porque essa brincadeira só o faz lembrar da criança que ele é.

E a criança continua a balançar em sua cadeira na varanda, com sua espingarda de brinquedo sobre o ombro. E já não sabe se é um velho infantil, ou uma criança senil. Mas repete a brincadeira, com a alegria sádica do penitente que se martiriza: "Saia da minha propriedade!". E confuso, não sabe se sorri, ou chora pela saudade do não vivido.

E o velho continua a balançar. Mal percebe a figura desengonçada que toma espaço na varanda: uma grande ave, esguia, de pouca plumagem, em cores vivas. De susto, deixa cair a espingarda. A estranha ave murmura: "Saia da minha propriedade". E confuso, tem a impressão de que ela sorriu. "A ave sorriu", pensa em voz alta... e um sorriso lhe racha os lábios mais uma vez...
...
...
...
E??????
Que porra é essa? O que diabos isso tem a ver? Ok, nonsense.