domingo, 23 de outubro de 2011

Bye bye

Ontem fiz uma fogueira para lá de simbólica.
Empacotei minhas coisas, mudança. Sou péssimo com isso. Odeio mudar. Qualquer coisa, mudar de casa, de emprego, de roupa, de cabelo, de humor. Odeio mudar. Gosto de padrões, gosto de rotina. Por quê? Porque é previsível, oras.
Ignorando meu lado esquizofrênico, as pessoas que me conhecem sabem que eu sou, voltemos ao papo da fogueira.
Empacotei muita coisa. Sobraram muitas coisas. Papéis da faculdade, trabalhos, textos, contas da outra casa, papéis que, se eu precisasse procurar, nunca os encontraria. Queimei-os. Me desculpem os defensores da camada de ozônio.
Enquanto o fogo crescia, devorando letras, entortando folhas de papel, observei com certo contentamento o evento. Me sentia bem por destruir coisas de um passado que... bem... passou, oras bolas.
E não me senti mal por isso... com exceção da camada de ozônio, isso não foi legal. Me senti bem porque o passado está aqui, minhas desventuras na faculdade, minhas dificuldades financeiras e emocionais vividas na outra casa, meus anos passados aqui em Marília, tudo isso está aqui, no peito e na cabeça. Mas elas precisam estar só aqui, e em nenhum outro lugar.
Abandono Marília, após tantos anos, tantas risadas, após tantos amigos, tantos inimigos, jogatinas, bebedeiras, brigas, conciliações, noites insones, dias preguiçosos, almoços de domingo, aniversários, achados e perdidos.
Abandono Marília. E a levo no meu peito.
Sentirei falta de você, cidade com cheiro de biscoito. Mas te carrego no peito. E as folhas que queimaram levaram só o meu medo de ir. A fumaça branca que subiu, as cinzas que dançaram ao vento, me espalharam por todo lugar. Agora sei que todo lugar pode ser minha casa.
Até mais Marília de Dirceu. A gente se vê por aí!

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Talk, talk, talk

Uma chuva mais barulhenta do que refrescante caiu esta noite. No telhado de zinco gotas explodiam querendo ser notadas. Todos queriam ser notados, de uma forma ou de outra.
Cada aparelho de celular tocava uma música diferente, se entrelaçando com a canção caótica da chuva, se perdendo em línguas e dialetos conhecidos por poucos, talvez por ninguém. Talvez houvesse comunicação, talvez empatia, talvez amizade, mas certamente solidão.
E de cada boca jorravam palavras que até formavam frases, certamente lógicas, mas que nunca tocariam o sentido que gostariam de representar: as palavras morriam no desespero de sobreviver, de respirar... morriam antes de serem entendidas.
Cada qual tentou se fazer entender. Cada qual tentou se entender. Até a chuva parou para tentar ouvir e entender. Cansou e voltou a chover.
E em meio à torrente incompreensível de enigmas e frustrações nasce confiança. E é irônico. Porque a confiança não precisa de língua alguma para se fazer entender.




domingo, 2 de outubro de 2011

A good man

Algo o prendia ao chão. Não saberia dizer quando recebeu os seus grilhões, aquela culpa e ressentimento, não saberia sequer dizer quem o amarrou. Pior, não saberia dizer qual crime cometera.
Mas estava preso. Em fato, não saberia dizer se algum dia foi livre. As marcas das correntes em seu corpo eram tão antigas quanto ele próprio.
Nunca soube sonhar e voar, como um pássaro no céu imaculado.
Sempre rígido e fixo, como as suas promessas, como os seus deveres.
Se levantava como ídolo para os outros, mas sempre se sentiu um pária.
Sempre representou, nunca foi.
E quando o libertaram não soube o que fazer com tantas possibilidades. Não soube voar. Sonhou pesadelos.
Então se deixou prender novamente. Agora sabia quem o prendera - seus desejos - sabia qual o seu crime - o medo.
E se tornou um ídolo de resignação.
E foi lembrado da forma que nunca quisera:
Ele era "um bom homem".