quinta-feira, 10 de junho de 2010

Trust me

O princípio básico da cordialidade: “faça para os outros apenas aquilo que você gostaria que fizessem a você”. Podemos colocar outros modelos prontos como “sua liberdade acaba onde começa a minha”, ou ainda, “coloque-se no lugar dele (a)”. Enfim muitas frases que clamam para que nós olhemos o lado do outro.

Frases de mãe quando dá bronca na gente.

A base da sociedade é reconhecer que o homem enquanto indivíduo não é capaz de prover a quantidade de bens necessários para sobreviver. E quanto mais avançamos dentro da modernidade (ou pós, vai saber) mais isso se agrava. E de quebra, quando a gente passa a viver em sociedade essa dependência passa a ir para além do consumo material: dependemos uns dos outros de forma afetiva também. Nem estou falando de amor e tal (embora esteja envolvido e seja legal) estou falando de companhia mesmo, de amizade, de cumplicidade, de confiança no outro.

Nosso tempo é marcado por extrema desconfiança. Dos círculos mais íntimos como a família; dos unidos pela fé e pela moral como em igrejas; nos agrupamentos reunidos por interesses comuns práticos, como o trabalho ou a universidade; e enfim, naqueles relacionamentos escolhidos a dedo, namoros/casamentos/noivados/___________(<- insira aqui alguma forma menos tradicional de sua escolha), temos desconfiança.

E é estranho. Estamos juntos no mesmo barco. Não quero entrar na discussão sobre estranhamento, sobre fetichização das relações sociais, sobre dominação (de qualquer sentido), sobre ética religiosa (cristã ou ________ <- insira aqui uma outra doutrina da sua escolha) não acho que seja necessário. Não preciso de teorias para pensar sobre algo que é muito óbvio: eu preciso de você. Da maneira prática ou da forma mais pura e bela, eu preciso de você. E sei que você também precisa de mim (sem querer parecer cantor de música sertaneja).

Dividimos o mesmo tempo, o mesmo espaço, a mesma comida, a mesma condução, o mesmo trabalho, a mesma casa (parceiros alguns dividem, mas aí vai do gosto de cada um), por que não podemos dividir nossa confiança inabalável em nós mesmos, depositando um pouco nos outros?

E não me olha com essa cara desconfiada! Foi só uma sugestão...

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Cadernos da sociedade

O sol do meio dia estava a pino. Parecia um duelo, como nos filmes de western que seu pai costumava assistir. Parados um olhando para o outro. Não havia armas, não havia portinholas chacoalhando preguiçosamente ao vento, ou pessoas fechando as janelas com medo dos tiros. A platéia estava ali presente: em círculo,se acotovelando, esticando a cabeça. Uma briga ao final da aula sempre é um evento muito disputado pelo público.

Sim, havia um favorito, sempre há. Se tivessem de apostar seus chicletes, figurinhas da copa, drops, ou qualquer coisa que tivesse algum valor no mundo financeiro juvenil, seria no grandalhão do 2º ano.

Comentadores esportivos diriam que seria uma luta injusta. O rapaz da 8ª série era mal preparado fisicamente, pouca técnica, muito jovem. Já o esboço de lutador de MMA tinha um histórico invejável de narizes deslocados, lábios sangrando e dentes de leite derrubados. Com certeza uma luta injusta.

Mas comentadores esportivos não jogam, não lutam. A platéia não joga, não luta.

Sentiu um calor subindo pelo corpo, suas pernas certamente tremiam. Não era o calor do sol do meio dia, era alguma outra coisa, algo que não saberia explicar. Suas mãos pequenas fechadas pareciam pequenas maçãs espetadas nos seus braços finos e desajeitados. Seus olhos marejavam, talvez de raiva. Talvez de vergonha.

O sorriso do gigante à sua frente só lhe deixava com mais raiva. Imaginava uma estratégia, algo para derrubá-lo, humilhá-lo na frente dos tagarelas à sua volta que já contavam com sua eminente e vergonhosa derrota. Mas seu insight estratégico foi cortado pela investida do Golias: um soco certeiro no nariz fez o pequeno ir ao chão. Com a vista embaralhada pelas lágrimas e pelo golpe, viu seu adversário: o sorriso cínico do vencedor.

Nenhuma estratégia seria seguida. Sentiu o calor subir pelo corpo mais uma vez, mais forte, mais real. Levantou-se rapidamente, correndo em direção do monstro que já se preparava para desferir mais um golpe, que foi aceito pela boca do pequeno intrépido, que curvou seu corpo para o lado.

Sentiu um gosto metálico encher a boca. Quente. Quente. Quente. Seus olhos não marejavam mais. Um amargo preencheu o seu peito. Um amargo quente. Achou que fosse ódio.

Com a boca cheia de sangue, olhou para o adversário. Um frenesi tomou conta do seu corpo. Reuniu todo o líquido rubro em sua boca e cusparou uma rajada nojenta que cobriu o rosto do gigante. Assustado e confuso, o brutamontes olha para os lados como quem diz: “Olha o que esse louco ta fazendo!”.

Talvez até tenha pensado em dizer isso. Só não houve tempo. O corpo pequeno, magro e desajeitado se projetou sobre ele. As pequenas maçãs, surrando sem medo, sem remorso, sem pena, fizeram o sangue dos dois se misturar.

Perdera o controle, não sabia o que estava fazendo. Deixou seu corpo liberar sobre o valentão estirado no chão toda a raiva represada, e talvez um pouco da que a vida ainda lhe daria.

Nunca sentira algo tão real. Deixou a dor que guardara durante tanto tempo passar para outra pessoa. Apenas passou o bastão.