segunda-feira, 15 de junho de 2009

One thousand cigarretes II

Era sexta. Não tenho aulas às sextas. Saio do trabalho, mato algum tempo na faculdade. Converso um pouco. Minha paciência social se acaba quando percebo que estou sem cigarros. Passo no posto para comprar um maço.
10:30. Talvez um pouco mais. O posto está cheio, a avenida está cheia. Terá um show ou algo parecido. Carros e seus donos disputam atenção com músicas de amores perdidos e amores reencontrados. Quando se pára para pensar, os temas musicais, independentes do estilo, são muito parecidos.
Abro o maço. Coloco um cigarro entre os dentes, mastigo o filtro ainda com ele apagado. Pondero se devo acendê-lo. Toda agitação ao meu redor, e o meu sentimento juvenil de não pertencimento me convence de acender o maldito cigarro.
Tomo um caminho diferente para casa. Coloquei o fone de ouvido, uma música qualquer começou a tocar. Ela era quase inaudível, devido às outras músicas que tocavam dos carros e do bar perto do posto. Castigo meus ouvidos e aumento o som..
Vários universitários bebiam e faziam churrasco na calçada. Desci da calçada e passei a andar rente ao meio fio. Um carro que vinha pelo meio da rua, um pouco rápido de fato, vira bruscamente na minha direção, ele obviamente estava indo até a festa na calçada, queria se fazer notar, mostrar que chegou. O problema era justamente que eu não fazia parte da festa da calçada, não conhecia ninguém, apenas estava indo para casa. Ele freia a poucos centímetros de mim. Até escuto uma moça no fundo gritar "ai meu deus". Fico parado. O cara dentro do carro ri. Mastigo o filtro do cigarro, agora aceso. O filtro retém uma parte considerável das impurezas do cigarro. Quando usado, ele é muito mais amargo que o gosto da fumaça do cigarro.

Instantaneamente meus olhos marejaram, queimaram. Raiva? Não sei. Diante daquela situação senti um certo desespero, me senti ridículo. Deve ser o sentimento dos pequenos nerds que matam nas escolas americanas. Deve ser o sentimento dos heróis improváveis dos filmes do cinema em casa. Deve ser o ódio do servo.

Passei de cabeça baixa pelo carro. Pela cara do motorista, ele se divertia. Continuei indo, me sentindo pequeno. Sempre achei que, com o tempo, o meu ódio juvenil pelos playboys, a minha inveja, diminuiria. Não, não diminuiu.

Deste texto não sairá nada de profundo. É tão somente uma ode ao meu ódio infantil, recalcado e reprimido. Tudo o que queria naquele momento, é que meu sangue oriental tivesse me passado algum gene kung fu, ou algo parecido. Mas infelizmente apenas recebi a dádiva da baixa estatura, e um corpo mirrado, além de movimentos desengonçados.
O pior de tudo é querer me convencer de que eu não o invejo. Querer me convencer de que eu não queria estar no lugar dele, de ter as mulheres que ele tem, de ter os amigos que ele tem, de gozar das possibilidades de vida que ele tem. Sempre tentei me convencer pela minha "pureza", de que as frustrações da vida fizeram de mim uma pessoa "sensível" e "empática", de que eu sou melhor do que esse tipo de pessoa. Besteira. Minto quando digo que não quero ser "o motorista sorridente". Só o odeio por puro ressentimento, por ele ser algo que eu não posso ser, e que com certeza nunca serei.
Jogo o final do cigarro fora. Pego outro do maço. Mordo o filtro, ainda sem acendê-lo. Que merda. Ele já está amargo.

Um comentário:

Michele disse...

Não sei se eu gostaria de seruma dessas mulheres em um desses carros, mas mui agradaria-me ao menos ter um carro...
Ao menos o risco de atropelamento diminui, não é? Ao menos de sermos os sujeitos atropelados...