Aqui faz frio. Engraçado, eu sempre gostei do frio. Mas o frio daqui me incomoda.
Todas as quintas alguns flocos de neve caem, poucos, mas caem. Talvez neve todas as tardes aqui, eu não sei, eu não posso ver em outros dias. Apenas nas quintas, porque é minha folga. Os flocos de neve tocam minha pele e imediatamente derretem. De vez em quando, um cai nos meus lábios, o sabor não é ruim.
Sempre caminho nas quintas procurando o sol. Sempre saio de casa com agasalhos insuficientes. Eu sempre cometo o mesmo erro, e isso já faz algumas semanas. Talvez não tenha boa memória, talvez goste de errar, talvez goste do frio no final das contas, talvez eu deva comprar um cachecol.
O sol daqui é pálido e tímido. Como todo japonês. É verdade, aqui é a “terra do sol nascente”. Mas quando penso nessa frase sempre me vem outra: “mas aqui o sol morre primeiro também”. E morre mesmo. A noite chega cedo aqui.
De noite ninguém fica na rua. O vento gelado, que corre pelas avenidas confusas e pelos quarteirões “não quadrados”, espanta todos para dentro de suas casas de madeira e papelão. Alguns se arriscam a enfrentar o frio apenas para comer lámen quente em barraquinhas. Outros correm para as vans para mais uma madrugada de trabalho na fábrica.
A fábrica é cinza. Parece filme de ficção científica. Tem luzes, sirenes, buzinas, painéis, botões. Pessoas de uniformes, capangas. Vocês já notaram que em nenhum filme se conta a história dos capangas? Você já parou pra pensar: “hey, por que esse cara trabalha para o vilão? Será que o vilão paga bem? Ou é por causa do uniforme legal? Por que ele ataca o mocinho mesmo sabendo que o mocinho é bom? Será que esse capanga tem família? Por que os capangas morrem aos borbotões e ninguém se importa?”
Eu sou um capanga da fábrica. Eu não sei por quem estou lutando ou contra quem. Só faço o que me pedem. Será que é assim que os capangas dos filmes se sentem? O pior é que o meu uniforme não é legal.
Ah, é verdade, o frio. O frio daqui me incomoda. Porque ele não é o frio do Brasil. É o frio daqui.
Um comentário:
Que agonia eu senti! (isso bom, sinal de bom texto!)
E, sabe, foi a descrição do Japão mais fiel à minha imaginação que já vi até hj! (pessimista, eu??)
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