sábado, 16 de fevereiro de 2008

karague

Ainda era feriado de ano novo. Meu irmão e eu estávamos no supermercado escolhendo o que comer. A opção principal era uma bandeija de sushi ou uma porção de karague, aquele frango empanado cheio de óleo, um frango gordo. Eu já estava enjoado de karague. Havia comido isso durante três ou quatro dias seguidos desde que cheguei. Mas o maldito frango brilhava nos olhos do meu irmão. Ele pegou o karague. Perguntou se eu queria algo, mas a porção de karague seria suficiente para nós dois, não havia necessidade de comprar mais nada. Mas eu odeio karague. E além do mais era ele quem estava pagando, eu ainda não tinha nada de dinheiro, não queria abusar mais ainda da sua hospitalidade. Compramos o frango. Saímos do mercado.
Ventava muito, ainda não era época de neve. Muitas pessoas estava indo e vindo do mercado, afinal de contas era feriado. Uma senhora de bicicleta passou por nós, com uma caixa de compras presa na garupa. Todo mundo anda de bicleta aqui.
Alguns metros à frente vimos a senhora saindo de uma vala que ficava bem no centro da pista em que andávamos. Era óbvio que ela havia caído. Apertamos o passo par ajudá-la. Algumas pessoas passavam, mas não paravam. Estranhei isso. Meu irmão começou a recolher as compras dela, enquanto eu tentava ajudá-la a sair da vala. Ela tentava se esquivar dizendo “daijoubu, daijoubu”, (sem problema, tá tudo bem). Levantou-se, parecia meio irritada, transtornada com a situação. Mal agradeceu. Não subiu na bicicleta, passou a empurrá-la. Talvez porque estivesse machucada, talvez por medo de cair novamente, não sei. Ficamos parados por um tempo sem saber o que fazer.
Muitos japoneses não gostam de receber ajuda assim, sem que eles o tenham pedido. Talvez por orgulho, não sei ao certo. Os idosos principalmente. Ninguém gosta de se sentir inútil afinal de contas, não é?
No fundo da vala ainda tinha um objeto. Era o óculos dela. Agachei, peguei o óculos. Dei alguns passos rápidos em direção da senhora, dizendo “obassan, obassan, meganê”. Ela parou e pegou os óculos. Desta vez um breve sorriso se esboçou em seu rosto castigado pela idade e pelo vento frio. Agradeceu e seguiu em frente.
Ela seguia pela mesma direção que nós deveríamos ir. Pensei que seria um pouco incoveniente para ela se nós passássemos por ela novamente. Bati no ombro do meu irmão e disse, “vamos testar um caminho diferente?” Nos viramos e tomamos outra direção.
Ficamos em silêncio durante um tempo. Não sei o que meu irmão pensava. Eu pensava no quanto o orgulho pode atrapalhar as coisas. Mas também no quanto orgulho pode fortalecer. Na verdade, saber a hora certa de recusar e aceitar é o mais difícil. No final das contas tudo se acerta com um sorriso, tudo se entende. Mas às vezes nem vemos esse sorriso, por falta de tempo, oportunidade ou vontade mesmo. Daí tudo vai pras cucuias.
O silêncio foi quebrado com meu irmão dizendo: “hum, até que sushi seria legal, hein?”. Não precisou dizer mais nada. Me virei e fui em direção ao mercado novamente. Com a cabeça baixa eu disse: “Odeio karague.” Ele respondeu: “É, eu sei. Tinha me esquecido disso.”

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