Folga. É um dia bom. Mas passa rápido. O sono acumulado durante a semana inteira só permite que eu fique até às 18:00 na rua, minha cabeça começa a doer, meus olhos ardem como se tivessem areia, minha idéias ficam confusas. O sol já se deitou faz algum tempo. Não, hoje eu não passei frio. Não nevou. Acho que não irá nevar mais. De qualquer forma, comprei um cachecol. Volto para casa pelo cansaço mesmo, e pela noite. Não confio em meu senso de direção no escuro. Em fato, quase não confio nele.
Já são quase 6 da manhã. Não sei se forço o sono, ou se permaneço acordado. Tenho que ir no mercado, tenho que comprar algumas coisas. Tenho que comprar um colchão de ar novo. Meu irmão deixou o antigo perto do aquecedor... bem, ele derreteu. Tenho que comprar outro. Dormir no chão duro apenas com um edredon forrando não é muito confortável. Não que o colchão inflável seja, mas... meu irmão também quer sushi. Na folga dele eu sempre deixo uma bandeija de sushi na geladeira.
Meu tempo aqui no Japão já está acabando. Fico feliz e triste ao mesmo tempo. Triste por deixar meu irmão aqui sozinho. Feliz por voltar à minha vida. Gostaria que o Japão fosse mais perto. Gostaria que pudesse ir e voltar quando quisesse.
Reencontrei um velho amigo aqui. Estranho encontrá-lo justo aqui. Mas eu poderia encontrá-lo em qualquer lugar. Pelo menos é o que ele me diz. Fiquei triste ao vê-lo tão pálido, tão apagado e esquecido. Senti-me culpado por não tê-lo procurado antes. A culpa foi minha por tê-lo deixado partir. A culpa foi minha por ter me esquecido dele.
Não aproveitei o Japão como as pessoas dizem que eu deveria aproveitar. Não fui às montanhas esquiar. Não fui para o Hiropong, a balada mais foda do Japão. Não fui para Utsonomia comprar eletrônicos. Não comi um lámen decente. Não fui até uma casa de massagens tailândesa. Não fiz nada do que me falaram que deveria fazer. Não foi por falta de oportunidade. Foi porque simplesmente não quis mesmo.
Aproveitei o Japão do meu jeito. Sentado no meio do shopping observando as pessoas. Pensando. Olhando pela janela da van a paisagem melancólica, seca, em meio à tanto frio. Aproveitei o Japão conversando com os colegas de trabalho sobre perspectivas e frustações no Japão. Conversando com casais sobre seus relacionamentos nessa vida corrida. Observando velhinhos caminhando na pista de cooper. Conversando com crianças. Sorrindo para crianças japonesas que nunca viram um japonês tão estranho sentado na calçada da frente do mercado.
Esse amigo costumava passar as tardes no banco da praça, abraçado com uma pessoa querida, observando o tempo passar. Observando o sol da tarde cobrir Poços com um calorzinho tímido. Observando as crianças brincarem na praça. Ele costumava me dizer que a única forma de se tornar imortal é permanecer nas lembraças das pessoas que cruzaram pelo seu caminho. Como uma árvore frondosa, permitir que sua sombra acolhedora forneça descanso e fôlego para aqueles que estão cansados desta caminhada. Ele sempre tinha uma resposta boa para tudo. Uma resposta “boa” não é uma tirada. Uma resposta “boa” é uma resposta inspiradora.
Ser gaijin não é fácil. Os japoneses estão dispostos a aceitá-los. Mas para isso o gaijin deve aceitar ser japonês de corpo e alma. É uma troca. Se é justa ou não, não sei responder. O Japão tem muita coisa boa para oferecer. Infelizmente, muita coisa triste também. Mas sempre é assim.
Meu velho amigo gostava de fazer as pessoas se sentirem bem. Fiquei feliz por saber que ele não desistiu disso, mesmo depois de tanto tempo perdido, em uma arca jogada no fundo de algum lugar que só Deus e o diabo sabem.
A paisagem amarelada, queimada pela neve é bonita. Tão enfraquecida, mas pulsando, desejando ser verde. Ela vai ter que esperar um pouco mais. Reunir forças. Esperar a hora certa.
Acho que meu amigo passou tanto tempo fora porque sabia que precisaria de muita força para encarar o mundo novamente. Escolheu a hora certa para reaparecer.
Levo do Japão coisas que poderia conseguir em qualquer lugar, mas ao mesmo tempo, são coisas que só poderiam ser conseguidas aqui. Elas tem gosto de Japão.
Quando eu era mais novo, costumava folhear livros estranhos que pegava na biblioteca só para retirar citações. Sim, eu era um pouco nerd. Um pouco arrogante também. Bem chato por sinal. Era o jeito que eu arranjei para me proteger.
Tem uma frase, dessas que podem ser colocadas naquela página de citações da revista Caras, o livro era sobre Taoísmo eu acho. Yin e Yang, manja aquelas paradas? Forças equivalentes, feminino e masculino, criação e destruição, essas paradas que os chineses gostam. Acho que os asiáticos em geral.
Na verdade, está em voga essa busca pelo equilíbrio. A busca pelo religioso, pelo místico também. O homem descobriu, construiu, explicou tanta coisa, disse que ia dar certo, que ia ficar tudo bem. E olha quanta merda que deu. Não que tudo esteja errado. Mas devemos sempre tentar lembrar qual o projeto inicial. Era o bem do homem, não era? Pois é... mas nos apegamos tanto às coisas ruins que construímos...
Chega de auto ajuda. A porra da frase que eu queria colocar é essa:
“Quanto maior a luz, maior a sombra que pode ser projetada por ela.”
Parece frase do mestre dos magos. Parece auto ajuda. Parece frase da Caras. Do Paulo Coelho. Mas é de um livrinho de um china que viveu há muito tempo atrás. Se não me engano ele tinha umas tretas com o Confúcio. Ouvi isso em uma conversa na mesa de um bar após três cervas. É, esta informação não é confiável.
Meu amigo fica feliz por eu ainda me lembrar dessa frase idiota. Ele adora frases idiotas que parecem profundas. “A profundidade está no fato de você conseguir se sentir tocado por coisas simples e banais.” Ele soltaria uma frase mais ou menos assim. Provavelmente pensando na fonte brega que toca músicas no centro da praça. Provavelmente pensando no abraço da pessoa querida. Provavelmente com saudades.
Faltam 8 dias para embarcar.
2 comentários:
:)
Sabe aquele sorriso meio tímido, pensantivo, q sai qndo a gente se depara com alguma coisa q agrada mto, mas não sabe explicar pq?
Uhnn... então um bom comentário a gente faz pensando em como o texto nos tocou?
Foi assim: um sorriso... e sorrisos são sempre bem-vindos, não são?
Sorrisos são sempre bem vindos sim.
E como me diz sempre uma pessoa querida, colocando verdade e beleza em um slogan de refrigerante, "um sorriso pode tudo"
O seu principalmente ^^
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